terça-feira, 10 de abril de 2012

#24


rasga-se a carne do filho prematuro. a primeira desilusão amorosa é sempre a morte de um filho prematuro. tanto a sorrir, tanto a correr, tanto a falar,
tanto tanto e tanto! mas quando?

quando morrem prematuras, as torrenciais ilusões vertem em quedas gigantescas de uma cachoeira que desaba naquela parte tão oca de nossa alma que nós desconhecemos tão bem!

o primeiro amor é um erro fatal!quando criança ouvia uma história que dizia que quando amávamos sentíamos borboletas batendo as asas em nosso estômago,
e eu gostava tanto dessa história que cultivava essa idéia de maneira muito religiosa. todos os dias pela manhã punha em minha barriga
o néctar das mais belas flores para alimentar as borboletas no dia em que elas julgassem a hora certa de aparecer.
repito : o amor é um erro fatal!
chegou o dia em que o bater das borboletas era sentido tão de perto por meus ouvidos que entendi o sinal de que elas chegavam justo quando finalmente
podia sentir a mão que por anos esperei tão perto do meu quadril e descendo cada vez mais;lentamente,calmamente; uma assassina prestes a cometer um crime.
fazia muito calor e eu estava suado, já havia desistido de pensar em qualquer coisa e oxigênio era algo desnecessário para quem num estado desmaiado vivia apenas pela aparição
das borboletas que deslizavam pelo esôfago e chegavam à minha barriga no mesmo momento em que aquela mão, a mão mais quente que ja conheci na minha vida,
segurava com firmeza o meu pau e meu corpo REBENTAVA .ondas que vinham dos dedos dos meus pés pousavam na minha barriga e minhas entranhas eram
emaranhados retorcendo-se, abraçando-se, destruindo-se, amando-se de maneira tão forte que as borboletas eram brutalmente assasinadas uma por uma
e eu despertava desesperado por oxigênio como álguem que se afoga num mar cujas ondas não te dão tempo para ver se há algo além de água,ondas e gosto de sal.

o primeiro amor é morte prematura. é momento onde o humano brinca de deus e girafa ; um pescoço que liga a cabeça que se perde nas nuvens ao corpo débil que ainda resiste na terra. qual força poderia sustentar tal pescoço? quanta ilusão não seria necessária?

vejam,amigos, é tempo de cortar pescoços! é tempo de ser cobra, RASTEJEMOS! nenhuma mãe merece ver a morte de um filho, ainda mais assim, tão prematuro que
ousa apelar por vida.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

#23

estavam a sós e cercados por muitos números e marcas, rodavam e rodavam e rodavam e nunca
paravam e também nunca souberam bem ao certo o que ali faziam e porquê nunca paravam e porquê a eles perguntavam sempre a mesma coisa, como se fosse uma eterna obrigação saber o que ninguém sabia. eram três pessoas - um recém nascido, um de média idade e um mais velho - , cada qual no seu passo - eufórico, confiante, trépido - dignos de sua idade, cumprindo rigorosamente as cretinas normas da sociedade : ditados, parábolas , os roteiros feitos, TICTACTICTAC, essas coisas maçantes etc e tal. tudo ali era muito estranho, raros eram os momentos cujos encontros ocorriam. era sempre muito difícil o MOMENTO PERFEITO, sabe? aquele segundo exato no minuto correto da hora certa. a ocasião perfeita sempre naufragava. se não fosse pela já intríseca dificuldade do desejado MOMENTO PERFEITO, era pela hiearquia impregnada em cada um que asassinava a grande chance do encontro . o olhar sempre vertical. de cima para baixo os pelos da barba branca fatigavam-se ao ver o sorriso bestial da criança. quando contrário, de baixo pra cima, era o sorriso da criança que desdenhava a barba carcomida do velho. e ali no meio dos dois, sem entender nada,sem nada ter, jazia na podridão regular o homem médio.carente,calado,ignorante, sem sal.

com esses encontros( para não ser ridículo e usar o já tão profanado termo " desencontros") rotineiros, escreviam suas mórbidas rotinas em círculos viciosos de tictactictactic. até que por um acaso ( este também já desgastado pelos livros,versos e outas escrotices) os três olharam-se. estavam distantes um dos outros quando foram perguntados pela enésima vez o que nunca souberam responder - " que horas são? "-. a ficha caiu nas três pontas ao mesmo tempo. o encontro ocorreu. acordaram entre si sem nenhuma palavra o velho e a criança e ambos romperam as engrenagens. o do meio não, omisso ficou lá para sempre. sempre rodando,
sempre contando, sempre sem responder àquela mesma eterna pergunta e ainda mais sem ao menos enfim perguntar-se - quanto tempo ao tempo resta?.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

#22 - tear

por um fio - sempre disseram.

nunca fiar nesses fios.

o homem está numa corda
disse nietzche.

o malabarista está numa corda
disse um qualquer.

a vida está numa corda
e nós suspensos.

estamos bambos, amigos.
nosso corpo nos avisa,
dia pós dia,
que o fio está sendo esticado,
que nossas entranhas estão dilatando,
rompendo, arruinando.

os líquidos saem pelos buracos
com as cores mais bizarras,
as verdadeiras cores da vida são muito bizarras,
e estão aí para dizer que estamos sempre por um fio,
numa corda bamba.

deixemos o cabelo ao vento de lado, o cheiro de chá fresco...
a vida é um fio.está por um fio. e estamos numa corda bamba.
aceitemos.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

#21

no meio do oceano,à deriva, me encontrei com a vida, azul e salgada. por vezes calma,
por vezes afobada, mas nunca imóvel... encontrei-me sem saber onde nasci, de onde vinha e muito menos onde
estava. minha única certeza era do rebento, do choque com a terra. um último mergulho de cara na areia,
na pedra, no gelo. de cara no nada. de juntar-me aos outros infinitos ~nad~a~ntes! e anteceder outros eternos nadas~~.
do dançar no caos decifrado do mar e seu nunca datado início.
encontrei ,enfim, o desespero de nada nadar e berrei o mais alto que consegui e depois calei-me.





DO NADA NASCEMOS , NO NADA NADAREMOS E QUANDO JÁ CANSADOS DE NADAR, AO NADA VOLTAREMOS

...(...)? ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~!..... ... . . . . . (.)

#20

hoje é dia de dormir com você,
sem você,
hoje é dia de transar você,
sem você,
hoje é dia de ser você,
só mais uma vez,
você.

hoje, vo cê tudo e mais um pouco,
um pouquinho do nada,
daquele resto que traças não traçaram
na peregrinação ao defunto,
de um túmulo, no auge do seu cúmulo
a deixar um morto em terra,
sem o fundo daqueles que contaram-me ser
quando criança,


profundo.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

#19 acerca do andar pueril calcinado

andava meio torto pelas beiradas de minha cidade,
tombava de guia em guia, até chegar
num lugar qualquer, numa paisagem vazia,
da qual eu tentava atravessar e com a cara batia.

nada eu via
nada eu sentia
mas dali,
não passava e nem saia.

as sirenes soavam, o fardo azul reluzia,
armas titânicas ressoavam no tímpano.
muito ozônio, muita cerca, muito estampido.

NADA.
NADA.
NADA.


rodopiava o mundo incessantemente.
ao andar sobre o céu , o cimento era tão leve,
e as nuvens, eu afastava num sopro.

o mundo era tão gostoso
um mundo em que não batia a cara
e nem batiam na minha.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

#19

na bosta! na bosta eu fico.
um maço de cigarros e a cabeça perdida.
o gosto da humilhação tatuado nos dentes;
mais um belo serviço, querida nicotina.
seja bem vinda aos escombros da memória,
há muito aqui já habita outros pesticidas.

roa meus dentes,
extermine as minhas lembranças.
isso é tudo que sobrou de mim
depois de nós.

dos nós, só sobrou o da humilhação
dos nós, só sobrou o da humilhação
dos nós, só sobrou o da humilhação

vem-te a mim desprezo,
repouse na minha boca e morda minha cabeça.

pesticida com gosto de nicotina
isso é tudo que sobrou de mim.

seja bem-vindo,
leal desprezo.